A Torre de Londres


Vista do complexo da colina da Torre de Londres
Fortaleza, palácio, prisão, museu e monumento supremo do Império Britânico, a Torre de Londres ergue-se sombria à margem do rio Tâmisa, onde foi construída para servir de protetora. É a fortaleza mais antiga
da Europa, inicialmente erguida pelos antigos bretões. Sobre as ruínas desta, outra fortaleza foi construída pelo imperador romano Claudius. E no final da década de 1070, com a construção da White Tower, começou a tomar forma o complexo conforme hoje é conhecido.

Vista aérea do complexo, com a Tower Bridge ao fundo
Este ano, o imenso complexo da colina da Torre está completando 934 anos de existência com o aproveitamento consciente do novo papel que a ela foi atribuído. Sua grandeza jamais foi afetada em toda a História por cercos ou tempestades, mas sucumbiu ao mais irresistível dos exércitos modernos: os trinta mil turistas que passam diariamente pelo único e estreito portão de entrada, vigiados pelos guardas oficiais da casa real - Yeomen - com seus vistosos uniformes vermelhos.


Único e estreito portão de entrada da Torre
Neste ano, cerca de oito milhões de pessoas pagaram ingresso que dão somente direito a visitar os prédios que compõem o conjunto, sem contar as famosas Joias da Coroa ou os irresistíveis cartões postais, publicações e incontáveis lembranças oferecidas nos pontos de venda ali instalados.

Para quem não conhece muito bem a história da Inglaterra, a Torre de Londres mais parece um forte de brinquedo. E, a bem da verdade, ali nunca ocorreram grandes cenas de guerra porque a Torre pode ser
considerada uma das cidadelas mais bem sucedidas de todos os tempos, já que quem ali se instalava dominava Londres e, controlando Londres, detinha o poder sobre a Inglaterra. Por isso ela é um verdadeiro triunfo da teoria militar da dissuasão.

A chegada dos embaixadores venezianos no cais da Torre em 1707 - pintura de Luca
Carlevares. Cerimônias com disparos de armas de fogo ainda hoje são realizadas
E foi com o intuito de desencorajar qualquer inimigo que os romanos conceberam as muralhas de Londres - uma parte das quais era constituída pela Torre. As muralhas erguiam-se a cerca de cinco metros de altura e estendiam-se por quase três quilômetros, conservando uma espessura de dois metros e protegendo uma area de 133 hectares, maior do que qualquer outra existente na Grã-Bretanha romana.

Algumas partes destas muralhas permaneceram como bases do sistema defensivo da cidade através do período saxônico, e quando Guilherme o Conquistador ocupou Londres, instalou-se numa torre de madeira
protegida pelas muralhas, ordenando ali mesmo, no final da década de 1070, que seu arquiteto-chefe, Gundulf, bispo de Rochester, projetasse e construísse uma torre de pedra para substituir a de madeira.

A execução de Lady Jane Grey na pintura (detalhe) de Paul Delaroche, 1863
Gundulf era um monge inteligente e vigoroso que havia erigido pesadas construções de pedra por toda a Inglaterra e a Normandia, porém a sua Torre de Londres era completamente diferente de tudo o que já havia sido feito. Com paredes de cerca de trinta metros de altura e mais de 35 metros de espessura, o prédio era uma combinação de palácio, centro de reuniões, escritórios governamentais e depósitos de materiais militares em um só bloco compacto, com amplas possibilidades de defesa e acesso imediato ao rio. Sua construção demorou vinte anos, e a caiação branca que recebeu valeu-lhe o nome de White Tower - Torre Branca. No entanto, a ciência militar progredia, e no final do século XII a Torre já estava ultrapassada. Os cruzados chegados da Terra Santa trouxeram a ideia de castelos concêntricos, cabendo a Ricardo I, Henrique III e Eduardo I modernizar a fortaleza.

Pintura mostra Sir Thomas More, uma das vítimas
dos Tudor, dando um adeus final a sua filha
A Torre Byward ou Torre da Guarda, foi construída no tempo de Eduardo I, sendo modificada por Ricardo II, que mandou adicionar um piso. Em cada lado do arco, há quartos para a casa de guarda. Em um deles, foi descoberta recentemente uma pintura de parede do século XIV, com as figuras de São Miguel, pintado sobre um fundo dourado com lírios da França e leopardos da Inglaterra.

Depois do Castelo de Windsor, a Torre de Londres transformara-se na mais bela residência real da Inglaterra, tendo, devido a sua localização, a função de controlar a navegação no Tâmisa e proteger a cidade. Mas, ali também ficava o quartel-general do reino, com acomodações para grande número de soldados e cavalos, depósito e fabricação de armas. Além disso, ela acumulava as funções de Corte de Justiça e palácio residencial, com vários prédios sendo construídos no interior das muralhas concêntricas.

Thomas Cranmer, arcebispo de Canterbury, que foi aprisionado na Torre
por alta traição em 1556. A pintura mostra sua chegada no portão dos traidores
Nesta mesma época instalou-se ali a principal casa de cunhagem do reino, havendo mesmo historiadores que afirmem que as principais moedas de ouro da Inglaterra provêm da Torre. Devido a isso, acumulava-se nos cofres do castelo-fortaleza grande quantidade de ouro e prata, e, por ser o lugar tão seguro, também se guardavam no local os documentos mais importantes do governo.

No entanto, a acumulação de tantas funções na Torre, acabou por torná-la pequena, e a partir do reinado de Eduardo III vários departamentos administrativos foram transferidos para a zona de Westminster, até que o próprio rei mudou de residência. Assim, o último soberano a viver regularmente na Torre foi Ricardo II, até sua abdicação.
A White Tower foi a primeira das edificações construídas no conjunto que hoje
compõe a Torre de Londres. Ainda apresenta muito da sua aparência original
A partir desta data a realeza só residia na Torre em momentos de grande crise ou em datas especiais como as vésperas da coroação. Suspeita-se mesmo que os soberanos não gostavam do lugar devido às associações que faziam entre a Torre e a deposição de Ricardo II. Outra superstição existente dizia respeito aos animais que ali viviam desde o início do século XIII, pois se acreditava que a vida dos leões relacionava-se com a dos reis. Assim, cada novo soberano recebia um novo espécime, e sua morte era considerada um mau presságio. Coube à Rainha Isabel desmistificar esta crença, mas o zoológico ainda sobreviveu até meados de 1830, apesar das reclamações dos prisioneiros da Torre, que eram permanentemente perturbados pelos ruídos das feras.

A Casa da Rainha, onde Ana Bolena passou seus últimos dias
Contudo, a grande fama da Torre de Londres advém do fato de ela ter exercido mais constantemente o papel de prisão, e é por isso que o monumento ainda guarda uma certa atmosfera de miséria e horror. Durante seis séculos por ali passaram milhares de prisioneiros, muitos dos quais não saíram com vida. Entre os assassinatos famosos ocorridos na época dos Platagenetas contam-se o de Henrique VI, os dos dois filhos de Eduardo IV, o de Carlos II e os dos defensores do cruel Ricardo III.

Só estes acontecimentos já justificariam a afirmação de Shakespeare a respeito da mórbida fascinação da Torre, mas como se isso não bastasse ainda houve uma procissão de vítimas dos Tudor, entre os quais se destacam: Thomas More, uma filha de Henrique VIII - Lady Jane Grey - e seu marido, e Ana Bolena e Catarina Howard, sendo o último dos mais famosos Robert Deyereux, Conde de Essex e favorito da Rainha Isabel.

A Capela de São João Evangelista, localizada na White Tower
No início nem todas as execuções realizavam-se dentro dos limites da Torre, e uma das concessões especiais era ser enforcado sem assistência, dentro dos seus jardins, como aconteceu com Ana Bolena. Porém, mesmo estas execuções particulares eram presenciadas por pelo menos cem nobres, um número insignificante se comparado com o dos sacrifícios públicos ocorridos na colina da Torre, fora das muralhas da fortaleza, e que muitas vezes reuniam um público de dezenas de milhares de pessoas.

O último traidor do Estado a morrer na colina da Torre foi Simon Lovat, um nobre escocês condenado em 1747 pela Câmara dos Lordes por estar envolvido numa rebelião. Mas o derradeiro habitante trágico da Torre era um humanitarista condenado à morte em 1916 por ter participado de um levante na Irlanda: Roger Casement viveu ali seus últimos dias nas condições mais deploráveis e repugnantes possíveis.
Capela Real de São Pedro ad Vincula
Assim, a Torre de Londres parece ter mantido sua fama de horror e degradação até o fim, conservando-se ao mesmo tempo como um local de exposições - desde as terríveis torturas e execuções de Henrique VIII, os animais, as armas reais e, mais recentemente, as Joias da Coroa, que são talvez a sua maior atração.

Entre as peças expostas na coleção das Armas da Torre destacam-se uma armadura gigante e outra anã, espadas imensas que parecem impossíveis de ser carregadas e as famosas armaduras de Greenwich que pertenceram a Henrique VIII.

O bloco e o machado estão expostos juntos.
Usados para execução pública pela última vez em 1747
Dentre as famosas Joias da Coroa apenas três peças são anteriores à destruição efetuada por Cromwell: a âmbula em forma de águia dourada que contém o óleo da coroação; a colher da sagração; e o saleiro da Rainha Isabel. Apreciadas de um ponto de vista apenas estético, as demais joias podem ser consideradas um tanto vulgares, embora talvez a sua grandiosidade seja o estilo adequado para os monarcas. Os guias falam sempre das peças em termos de seu peso e do tamanho das pedras que as adornam. O cetro com a cruz contém grande parte do imenso diamante - 530 quilates - oferecido a Eduardo VII pelo governo de Transvaal, em 1907. A Coroa do Estado Imperial tem no centro um rubi conhecido como Ruby, o Príncipe Negro, doado por Dom Pedro de Castilla como um sinal de gratidão após a vitória do príncipe na batalha de Najera em 1367. Logo abaixo do rubi está a Estrela da África, um diamante de 317 quilates. A Rainha Alexandra foi coroada com uma tiara incrustada com o diamante Koh-i-noor, que havia sido presenteado pela Companhia das Índias Orientais e hoje está engastado na coroa da Rainha Mãe. Estas peças pomposas são equilibradas por umas poucas relíquias de estima pessoal, como a pequenina coroa da Rainha Vitória feita especialmente por encomenda da soberana quando esta já se encontrava em idade avançada e achava a coroa real muito pesada.
Coroa de St. Eduardo
Algumas pedras que aparecem hoje entre as Joias da Coroa estavam na antiga Regalia, antes da destruição efetuada por Cromwell, e têm histórias incrivelmente românticas. A safira de Santo Eduardo provavelmente esteve engastada no anel de Eduardo, o Confessor, que com ele teria sido enterrado. Conta-se que, quando o túmulo foi aberto no século XII, um abade retirou o anel e ofereceu-o ao monarca reinante. Já o diamante Koh-i-noor só veio a pertencer à Coroa Britânica no reinado da Rainha Vitória e tem a tradição mais longa e romântica de todas. Ele é o brilhante mais antigo do mundo, tendo pertencido a Mumtaz Mahal, a rainha em cuja memória foi erigido o Taj Mahal.

Coroa do Estado Imperial
Muitos críticos acham que as Armas da Coroa, idealizadas para ferir cavalos e apunhalar cavaleiros, para espetar porcos ou eviscerar baleias, muitas das vezes são as verdadeiras obras de arte. Um capacete bem polido pode parecer uma escultura; um punhal adamascado ou a bainha de uma espada lembram joias renascentistas para homens. Uma armadura atende muito mais à definição que Corbusier deu para uma casa: "uma máquina na qual se vive".

Globo de Ouro com pedras preciosa
Contudo, a Torre de Londres é muito mais do que apenas um museu. Ela é uma prova real do lado negro da História da Inglaterra, uma lembrança sempre presente de que uma democracia parlamentar como a que é exercida naquele país foi construída com sofrimento, injustiça e violência, mas, acima de tudo, com sabedoria e consciência.

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